"Não quero
a boa razão
das coisas.
Quero
o feitiço das

palavras."

Manoel de Barros

19/01/2011

 A Caixa de Ferramentas do Papai

    Papai viajou para o Céu há 30 anos.

    Não deixou bens materiais – um trabalhador assalariado aposentado por invalidez nesse Brasil Anil, não podia deixá-los.

    Várias são as lembranças, que bem podem rimar com heranças...

    Américo aprendeu a ler ninguém sabe como, mas não foi alfabetizado, não freqüentou escolas – aos 45 anos precisou de um “diploma” para ser promovido no estaleiro onde trabalhava como ‘marceneiro de primeira’! Eu entrei em ação: com 10 anos, já gostando de ler, metida a ‘salvar o mundo’ e apaixonada pelo meu rei – o português Américo – peguei folhas soltas, lápis, borracha e muita esperança e danei a pedir-lhe cópias... Sua leitura preferida eram os livrinhos de bolso da Editora Monterey – a agente da CIA, Brigitte Monfort, filha da espiã Gisele (no período da ocupação alemã de Paris / 2ª Guerra Mundial). Esse foi o ‘pulo’ para o diploma escolar e para a paixão pela leitura – a primeira e deliciosa herança.

    Papai também foi um encantador de crianças – transformava caixinhas, bolinhas, pedacinhos de madeira, cordões e cadarços em verdadeiros brinquedos de fazer sorrir todas as crianças que encontrava. Foi tio e depois avô de muitas, sem quaisquer parentescos – a segunda e singela herança.

    Como bom português - amante do vinho e, caRIOcando - amante do chope, do peixinho frito, dos passeios à beira-mar, dos blocos de carnaval, do restaurante ‘Rio Minho’ – a terceira, quarta, ... Heranças saborosas!

    Hoje, para o “simples” gesto de abrir uma garrafa pet, precisei recorrer ao bem mais material que papai deixou – a caixa de ferramentas. A razão dessas escrevinhações... Minha mãe pegou uma garrafa de 600 ml de coca-cola e achando que a sua avançada idade a tornara fraca para abri-la solicitou-me esse simples e rotineiro gesto.

    Vã tentativa! Tentei com a mão direita, tentei com a mão esquerda, peguei um pano de prato, levantei-me do sofá. Uma... Duas... Inúmeras tentativas e... Nem um chiadinho, nem um leve movimento... Pedi ajuda... 

    Nada! Até que sorrindo pensei: isso é trabalho para um bom alicate... “Neca de tibiribeca”...

    Fui até a caixa de ferramentas – minha herança valiosa – fucei até encontrar uma poderosa e imbatível arma de abrir garrafa pet...

    A chave de grifa do papai!!!!


Ah, esqueci de dizer que herdei um abridor de garrafas e o vício da coca-cola!

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